15 de jan. de 2009

Discussão de “O fim da História” de Francis Fukuyama

Amo a história.
Se não a amasse não seria historiador.
Fazer a vida em duas:
consagrar uma à profissão,
cumprida sem amor;
reservar a outra à satisfação
das necessidades profundas –
algo de abominável quando a profissão
que se escolheu
é uma profissão de inteligência.
Amo a história –
e é por isso que estou feliz
por vos falar, hoje, daquilo que amo.”
Lucien Febvre, Combate pela História
Introdução

Deixo que Gilberto Gil, cantor e compositor brasileiro, introduza este trabalho através da música “O Fim da História”, de 1991 do disco Parabolicamará:

Não creio que o tempo
Venha comprovar
Nem negar que a história
Possa se acabar

Basta ver que um povo
Derruba um czar
Derruba de novo
Quem pôs no lugar

É como se o livro dos tempos pudesse
Ser lido trás pra frente, frente pra trás
Vem a História, escreve um capítulo
Cujo título pode ser “Nunca Mais”
Vem o tempo e elege outra história, que escreve
Outra parte, que se chama “Nunca É Demais”
“Nunca Mais”, “Nunca É Demais”, “Nunca Mais”
“Nunca É Demais”, e assim por diante, tanto faz
Indiferente se o livro é lido
De trás pra frente ou lido de frente para trás

Quantos muros ergam
Como o de Berlim
Por mais que perdurem
Sempre terão fim

E assim por diante
Nunca vai parar
Seja neste mundo
Ou em qualquer lugar

Por isso é que um cangaceiro
Será sempre anjo e capeta, bandido e herói
Deu-se notícia do fim do cangaço
E a notícia foi o estardalhaço que foi
Passaram-se os anos, eis que um plebiscito
Ressuscita o mito que não se destrói
Oi, Lampião Sim, Lampião não, Lampião Talvez
Lampião faz bem, Lampião dói
Sempre o pirão de farinha da História
E a farinha e o moinho do tempo que mói

Tantos cangaceiros
Como Lampião
Por mais que se matem
Sempre voltarão

E assim por diante
Nunca vai parar
Inferno de Dante
Céu de Jeová.
Teoria Fukuyniana

Para Francis Fukuyama, autor do artigo publicado em 1989 “The End of History/O Fim da História” na revista norte-americana The National Interest e do livro “The End of History and The Last Man/O Fim da História e o Último Homem” em 1992, professor de economia política na Universidade Johns Hopkins e membro do Conselho que assessora o Presidente dos EUA, a democracia liberal seria o ponto final da evolução ideológica da humanidade e a forma final de governo humano, e, portanto constituiria o fim da história.
Neste livro Fukuyama tentou elaborar uma linha de abordagem da história, indo de Plantão a Nietzsche passando por Kant e Hegel, a fim de confirmar sua tese de que o capitalismo e a democracia liberal constituem o coroamento da historia da humanidade.
Fukuyama trata aqui, história, como sendo um processo único, coerente e evolutivo, considerando a experiência de todos os povos em todos os tempos. Tema, esse, recorrente em Hegel e Marx, para qual a evolução das sociedades humanas não era ilimitada, mas terminaria quando a humanidade alcançasse uma forma de sociedade que pudesse satisfazer suas aspirações profundas e fundamentais. Sendo que para Hegel seria o Estado Liberal e para Marx seria a Sociedade Comunista. Significaria, então, que não haveria mais progresso no desenvolvimento dos princípios e das instituições básicas, porque todas as questões realmente importantes estariam resolvidas.
Para Hegel, esse processo não teria prazo para ocorrer, para Fukuyama essa situação já teria acontecido, com o fim e o descrédito das outras alternativas globais, explicito no episódio da queda do muro de Berlim. Assim, a humanidade teria atingindo o ponto culminante de sua evolução com o triunfo da democracia liberal e ocidental sobre as outras correntes que foram grandes adversários do capitalismo e do liberalismo, restando dessas apenas vestígios, onde talvez retorceríamos ao fascismo, à monarquia ou ao caos puro, onde o fundamentalismo islâmico ficaria confinado ao oriente e aos países periféricos, sem, contudo a possibilidade de um verdadeiro projeto para a humanidade: um modelo de sociedade melhor do que a democracia orientada para a economia de mercado.
O liberalismo, no entendimento de Fukuyama, é um regime fundado no terreno político, na democracia burguesa e no terreno econômico da livre atividade baseado na propriedade privada e nos mercados.
A história por filósofos e historiadores

A palavra história vem do latino historia que origina do grego antigo iotopia, e era usada pelos jônios no século VI a.C. para significar a busca de conhecimentos no sentido mais amplo. Assim, significa indagação, investigação. Ela tem sua origem nas “investigações” de Heródoto, considerado o pai da História, sendo Tucídides o primeiro a aplicar métodos críticos, como o cruzamento de dados e fontes diferentes.
Sabemos que Hegel acreditava num direcionamento da história da humanidade no sentido da evolução e do progresso. A história humana por seguinte seria a realização progressiva da sua “idéia absoluta” e com a manifestação da realização plena da “idéia absoluta” a história da humanidade iria terminar, tendo um estado constitucional concretizado na vitória da liberdade e da razão.
Para Marx as grandes bases para o entendimento do mundo estariam na razão, que, naquele momento, bebia na fonte das idéias de progresso. Assim, a história por Marx, agiria no sentido da história-razão, que crê na consciência revolucionária, fazendo a revolução em nome da razão. A história feita no pensamento marxista é então, uma história estrutural e econômico-social, cuja essência é a política. O evento seria a ruptura, a transformação profunda, a desintegração e a transição estrutural, que exploraria as potencialidades tornando-a mais duradoura.
Para Kant, a história seguiria um plano determinado pela natureza, onde a espécie, humana seria permanente. E que, somente, através da manutenção da passagem do conhecimento, da cultura, da religião e da política, através das gerações, poderia garantir a continuidade do processo civilizatório.
Apartir da Escola dos Annales, que surge em 1929 com Marc Bloch e Lucien Febvre em função da publicação do Annales d’Histoire économique et sociale – um periódico que traduzia o movimento de reorientação que queria se imprimir aos estudos historiográficos com enfoque na História Social, que também ficou conhecida como “Nova História” - o fator político, econômico e o fato em si não representavam a preocupação primordial no conhecimento histórico, as sociedades se tornou o centro das atenções, o indivíduo passou a ocupar o lugar atribuído aos grandes vultos, o cotidiano passou a ter mais relevância que as datas que marcaram o acontecimento.
Para Duby após a compreensão da importância dos aspectos inerentes às sociedades, seria a hora de voltarmos nossa atenção para os aspectos que haviam sido deixadas em segundo plano – como a política – visto que a história aprimorou seu olhar critico e estaria pronta para deparar-se com este desafio.
Em se tratando de história, nunca nos deparamos com certezas. Todas as sentenças são frutos de interpretações, inclusive aquelas que se referem ao futuro da história. Segundo Duby “a idéia de verdade em história modificou-se porque o objeto da historia se deslocou, porque a história passou a se interessar menos pelos fatos que pelas relações”.
Assim, as dúvidas seriam uma constante na vida de um bom historiador, visto que é preciso ter em mente que, no campo historiográfico, nunca estaremos diante de plenas certezas. Para ele, as pessoas ficam paralisadas por uma teoria e não elaboram perguntas que não têm certeza que saberão responder.
Duby afirma ainda que se existem os desafios, a História não pode acabar e que no mundo de hoje, não há mais espaço para a história sem sentido, para a história de historiadores. O novo fazer história é ter diante de si vestígios e saber soma-los, criando elos e associações. Uma construção de elementos passíveis de analises que podem acrescentar e enriquecer o conhecimento, reorganizar o espaço, elucidando e clareando regiões em penumbra.
Para Le Goff a história deixa de ser científica quando se trata do inicio e do fim da história no mundo e da humanidade:
quando à origem, ela tende ao mito: a idade de outro, as épocas míticas, ou, sua aparência científica, a recente teoria do big bang. Quanto ao final, ela cede lugar à religião... Ou às utopias do progresso, sendo a principal o marxismo, que justapõe uma ideologia do sentido e do fim da história (o consumismo, a sociedade sem classes, o internacionalismo)”.
Evidencia-se a história, aqui, como uma prática social, uma questão política, articulada sobre uma vontade de transformar. Para ele a história não é uma ciência como as outras e através da Escola dos Annales ocorreu uma nova concepção de tempo histórico, “a história seria feita segundo ritmos diferentes e a tarefa do historiador seria, primordialmente, reconhecer tais ritmos”.
A crença num processo linear, continuo, irreversível, que se desenvolve segundo um modelo em todas as sociedades, já quase não existe”, para Le Goff, pelo fracasso do marxismo e da revelação do mundo stalinista; pelos horrores do fascismo e do nazismo, pela I e II Guerra Mundial; pela construção da bomba atômica; pelo florescimento de diversas culturas ocidentais. Dessa forma, há rupturas e descontinuidades inultrapassáveis na história, que o leva a crer que seria ilusório um trajeto linear da história.
Marc Bloch coloca a história como ciência dos homens no tempo, colocando o aspecto social no centro da história. Para ele:
O passado é uma construção e uma reinterpretação constante e tem um futuro que é parte integrante e significativa da história. (...) Penso que a história é bem a ciência do passado, com a condição de saber que este passado se torna objeto da história, por uma reconstrução incessante...”.
Segundo Lucien Febvre, “a história recolhe sistematicamente, classificando e agrupando os fatos passados, em função das suas necessidades atuais. É em função da vida que ela interroga a morte. Organizar o passado em função do presente: assim se poderia definir a função social da história”.
Ao qual Le Goff complementa que os teóricos da historia esforçaram-se ao longo dos séculos para introduzir grandes princípios suscetíveis de fornecer chaves gerais da evolução histórica. Sendo que a noção de um sentido da história poderia decompor-se em três tipos de explicação: a crença em grandes movimentos cíclicos (astecas), a idéia de um fim da história constituindo na perfeição do mundo (cristianismo), a teoria de um fim da história situada fora dela (marxismo). Sendo que para ele, a contradição mais flagrante da história é o ato do seu objeto ser singular, um acontecimento, uma série de acontecimento, de personagens, que só existem uma vez, enquanto que o seu objetivo da história, como o de todas as ciências é atingir o universal, o geral e o regular.
Na convicção de Le Goff o trabalho histórico tem por fim tornar inteligível o processo histórico e que a inteligibilidade conduziria ao reconhecimento da regularidade na evolução historia. Sendo que estas regularidades deveriam ser reconhecidas primeira no interior de cada série estudada pelo historiador, que a tornaria inteligível descobrindo nela uma lógica, um sistema. Dessa forma o passado é aprendido no presente e responde, portanto, aos seus interesses.
Contraposição da Teoria Fukuyniana

Como visto, a teoria de Fukuyama aponta o termino de uma evolução relacionada com a nossa sociedade e com o nosso ser. Isso seria realmente possível: há uma evolução que tem fim? Ou a evolução continuaria mesmo havendo filósofos e/ou estudiosos que dizem o contrário? Ou o fim da história seria na verdade um processo dentro da própria história?
Há aqui, o desejo de contrapor as idéias de Fukuyama, por sermos de pólos opostos, ele um estudioso político norte-americano, e a autora deste artigo, uma estudante de história que toma suas primeiras lições nos filósofos, Hegel, Marx e Nietzsche, e nos historiadores, Georges Duby, Marc Bloch, Perry Anderson e Jaques Le Goff.
Que fique claro que a história e a filosofia possuem semelhanças e diferenças nas muitas práticas heterogêneas de seus campos de atuação. Aqui, há a percepção que Fukuyama produziu seu trabalho com o olhar de outras disciplinas que não da história. Dessa forma, em seu livro diz que:
o que estamos testemunhando, na atualidade, não é apenas o fim da Guerra Fria ou o término de um período específico da história do pós-guerra, mas o fim da história enquanto tal: ou seja, o ponto final da evolução ideológica da humanidade e a universalização da democracia liberal ocidental como forma última de governo humano”.
Para Le Goff a idéia de progresso é um conceito eminente ocidental que desenvolveu entre o nascimento da impressa no século XV e a Revolução Francesa. A Revolução Francesa, para Le Goff, apareceu como o triunfo político e ideológico da idéia de progresso e marcou uma data capital na historia dessa nação. Assim enquanto a noção de progresso implicaria em uma continuidade, a Revolução Francesa, apresenta antes de qualquer coisa como uma ruptura, como um começo absoluto. Assim, para Le Goff a concepção dominante da história continuaria a ser a de uma história cíclica, passando por fase de progresso, de apogeu e de decadência.
Segundo Perry Anderson, o que o Fukuyama afirmaria sobre o capitalismo avançado e as suas conseqüências nas nações que ainda estão longe de se tornarem parte do eixo dos países super-ricos, não demonstra nenhuma razão para vê-la como a melhor ou mesmo a única alternativa em nações pobres.
Fukuyama deixaria então, para Perry Anderson, uma margem para qualquer quantidade de novos eventos – hostilidades militares, pobreza nos países desenvolvidos e desvantagens culturais. O capitalismo bem-sucedido não garantiria a democracia política e a luta pelo reconhecimento impediria a humanidade de alcançar o objetivo da liberdade e da igualdade. Assim, Perry Anderson, refuta os argumentos da teoria fukuyniana, por acreditar que a história continua manifestando-se sob múltiplos aspectos, sendo possível visualizar outros pensamentos socialista, como a sua transvalorização, mutação ou redenção. Segundo ele “A convicção de que não existe alternativa econômica viável para o mercado livre deve muitíssimo mais ao fracasso do mundo soviético do que ao êxito do capitalismo”.
Como apregoar a idéia de que não há princípios ou formas de organização social e política alternativas superiores ao liberalismo, quando as excelências do capitalismo e da democracia liberais, declamadas por Fukuyama, excluíram grande parte da população do mundo? Como tomar como coroamento da história da humanidade um regime que acirra as contradições sociais? E se a força continua a ser vital para a manutenção do mundo “pós-histórico”, como a história acabou? Como negar o evento da queda das torres gêmeas no fatídico 11 de setembro? E o evento da vitória de Obama, primeiro presidente negro, eleito nos EUA? Estas não seriam provas de que a História contínua? Que existiriam forças políticas antagônicas, culturais, com força suficiente para mostrar que nada sobre o futuro do mundo está decido?
Por esses motivos, Perry Anderson, conclui que a tese de Fukuyama é carregada de um discurso político, tentando preencher uma teoria hegeliana da história com uma teoria platônica da natureza humana.
Hegel tentou apreender e aprisionar num sistema racional e coerente um mundo em revolução em um momento em que os acontecimentos desfilavam sob seus olhos, o que Fukuyama o fez em época parecida.
O campo da filosofia sempre foi o terreno da reflexão individual e solitária, tendo como ponto de inflexão sua contestação de toda ordem, sem então permitir a colaboração e a cooperação de outras ciências.
Fukuyama, através de uma obsessa filosófica, tenta circunscrever o homem a um universo de valores, que seria conquistado pela intermediação da razão, ao qual o que realmente importa é o finalismo, sem o crédito para o colorido da vida, seu subjetivismo, ou suas criações culturais.
A história não pode ser descrita, desta forma, como uma perspectiva de classes. O fato do triunfo do capitalismo, não é o fim, mais um enredo da própria história.
Conclusões

Enquanto que as ciências naturais consideram os fenômenos do ponto de vista do espaço, a história encara-os do ponto de vista do tempo. Os historiadores têm, então, a missão de narrar fatos reais que têm o homem como autor.
E tal narração é baseada em documentos. A história não imagina, ela vê, ela constata os fatos, analisa-os, aproxima-os e descobre o encadeamento, através da observação minuciosa.
Fazem referencia à história obsessivamente para sustentar a idéia de que ela não existe, simplesmente porque, nos relativismos absolutos que atribuem as historicidades de cada época, dissolvem a própria matéria da ciência histórica, a relação tempo-espaço, para construírem no seu lugar uma essência humana genérica, válida em todos os tempos e em todos os lugares.
Decretar o fim da história me parece colocar um sentido único para a história, um trajeto linear de todo o processo histórico, descartando toda a história da humanidade, constituída de vários povos, com vários processos históricos e várias memórias sociais que coexistem, que se interpenetram, se influenciando e constituindo suas próprias temporalidades.
Fim da história? A história não acaba por um simples decreto de um filosofo, de um cientista político ou de um historiador, por mais notável que ele seja. A história continuará, os historiadores continuarão, “per omnia saecula saeculorum”, ou seja, eternamente.
Bibliografia

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ENTREVISTA COM FRANCIS FUKUYAMA POR GIULIANO GUANDOLINI. Folha de São Paulo. Em 24/09/2001. Acessado através do site
www.folha.uol.com.br/ em 22/10/2008.

GLOESSER, Luciane. Uma proposta de leitura da obra do historiador Georges Duby: A História Continua. Em 18/10/2002 às 18:19. Acessado através do site
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LE GOFF, Jacques. História e Memória. 2ºEdição. Campinas: Unicamp, 1992. Acessado através do site htttp://eduardoeginacarli.blogspot.com/2008/08/le-goff-jacques-histria-e-memria-traduo.html em 31/10/2008.

OLIVEIRA DE MORAES, Prof. Dr. Alfredo. Fukuyama e o fim da história – Distorções ou más interpretações? Revista Eletrônica Estudos Hegelianos. Revista Semestral da Sociedade Hegel Brasileira – SHB. Ano 3º. Nº 05/12/2006. Acessado pelo site
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