17 de ago. de 2008

Sobre Historia


Palestra de Eric Hobsbaw para jovens formandos:
(Trechos extraídos do seu livro “Sobre História”, 344 páginas, pela editora Companhia das Letras.)

Como estudantes desta Universidade, vocês são pessoas privilegiadas, mas quero lembrar a vocês que, como disse meu próprio professor, ‘as pessoas em função das quais você está lá não são estudantes brilhantes como você. São estudantes comuns com opiniões maçantes, que obtêm graus medíocres na faixa inferior das notas baixas, e cujas respostas são quase iguais’.
As pessoas procurarão alguém a quem atribuir a culpa por seus fracassos e inseguranças.
Como exemplo, as populações da Europa Centra e Oriental continuarão a viver em paises decepcionados com o passado, provavelmente decepcionados em grande parte com o presente, e incertos quanto ao futuro. Quem tende a se beneficiar com esse clima são os movimentos inspirados pelo nacionalismo xenófobo e pela intolerância. Por ser sempre mais fácil culpar os de fora. Não tendo um passado é mais fácil inventa-lo, porque o passado fornece um pano de fundo mais glorioso a um presente que não tem muito que comemorar.
Nessa situação os historiadores se vêm no inesperado papel de atores políticos. A profissão de historiador pode produzir danos, por termos responsabilidade pelos fatos históricos em geral e pela critica do abuso político-ideológico da historia em particular. Não podemos inventar os fatos. O abuso ideológico mais comum da história baseia-se antes em anacronismo que em mentiras.
Mito e invenção são essenciais à política de identidade pela qual, grupos de pessoas, ao definirem hoje por etnia, religião ou fronteiras nacionais passadas ou presentes, tentam encontrar alguma certeza em um mundo incerto e instável, dizendo: ‘somos diferentes e melhores do que os outros’.
História não é memória ancestral ou tradição coletiva. É o que as pessoas aprenderam de padres, professores, autores de livros de história e compiladores de artigo para revistas e programas de televisão.
É muito importante que os historiadores se lembrem de sua responsabilidade: insentar-se das paixões de identidade política.
O surgimento de uma nova geração que pode se distanciar das paixões dos grandes momentos traumáticos e formativos da historia de seus paises é um sinal de esperança para os historiadores.
O sentido do passado como uma continuidade coletiva de experiência, mantém-se surpreendentemente importante, mesmo para aqueles mais concentrados na inovação e não na crença de que novidade é igual à melhoria.
No caso da genealogia, busca sustentar uma auto-estima incerta. Os novos burgueses buscam pedigrees, as novas nações ou movimentos anexam as suas historia exemplos de grandeza e a realização passadas na razão direta do que sentem estar faltando dessas coisas em seu passado real – quer esse sentimento seja ou não justificado.
O passado dos eventos não é tido necessariamente como dotados de existência simultânea. No momento que o tempo real é introduzido nesse passado ele se transforma em alguma outra coisa. Para certos objetivos a cronologia histórica, na forma de genealogia e crônicas, é importante em muitas sociedades letradas, ou mesmo iletradas, recorrendo à transmissão oral.
O historiador, ainda que interessado por sua relação com o presente, o que importa é a diferença. A historia, unidade do passado, presente e futuro, pode ser algo universalmente aprendido, por deficiente que seja a capacidade humana de evoca-la e registra-la, em algum tipo de cronologia.
A postura que adotamos com respeito ao passado, quais as relações entre passado, presente e futuro não são apenas questões de interesse vital para todos, são indispensáveis. É inevitável que nos situemos no continuum de nossa própria existência, da família e do grupo que pertencemos. É inevitável fazer comparações entre o passado e o presente: é essa a finalidade dos álbuns de fotos de família ou filmes domésticos. Não podemos deixar de aprender com isso, pois é o que a experiência significa. Podemos aprender coisas erradas, mas se não aprendemos, ou não temos nenhuma oportunidade de aprender, ou nos recusarmos a aprender de algum passado algo que é relevante ao nosso propósito, somos mentalmente anormais.
Os historiadores são o banco de memória da experiência. Teoricamente, o passado constitui a historia, e a medida em que se compilam e constituem a memória coletiva do passado, as pessoas na sociedade contemporâneas têm de confiar neles, não sendo servos dos ideólogos.
É evidente que o presente não é, nem pode ser, uma cópia carbono do passado; tampouco pode toma-lo como modelo em nenhum sentido operacional.
A historiografia tradicionalmente se desenvolveu a partir do registro de vidas e eventos específicos e irrepetíveis. O que ela pode fazer é descobrir os padrões e mecanismos da mudança histórica em geral, e mais particularmente das transformações das sociedades humanas durante os últimos séculos de mudanças aceleradas e abrangentes.
É tarefa dos historiadores saber consideravelmente mais sobre o passado do que as outras pessoas, e não podem ser bons historiadores a menos que tenham aprendido, com ou sem teoria, a reconhecer semelhança e diferenças.

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