5 de jul. de 2009

Análise do Filme os Narradores de Javé

Trabalho realizado para a conclusão parcial da disciplina de Historiografia, ministrada pelo Prof. Dr. Oswaldo Machado Filho.
Apresentação

O presente trabalho tem por objetivo uma analise do filme Os Narradores de Javé, de Eliane Caffé, com interlocuções de Keith Jenkins, para apresentar tais explanações deixo a cargo da música Sobradinho, de Sá e Guarabira:

O homem chega já desfaz a natureza
Tira gente põe represa, diz que tudo vai mudar
O São Francisco lá pra cima da Bahia
Diz que dia menos dia, vai subir bem devagar
E passo a passo, vai cumprindo a profecia
Do beato que dizia que o sertão ia alagar
O sertão vai virar mar
Dói no coração
O medo que algum dia
O mar também vire sertão
Adeus Remanso, Casanova, Sento Sé
Adeus Pilão Arcado veio o rio te engolir
Debaixo d'água lá se vai a vida inteira
Por cima da cachoeira, o Gaiola vai subir
Vai ter barragem no Salto do Sobradinho
O povo vai se embora com medo de se afogar
O sertão vai virar mar
Dói no coração
O medo que algum dia
O mar também vire sertão
Adeus Remanso, Casanova, Sento Sé
Adeus Pilão Arcado veio o rio te engolir
Debaixo d'água lá se vai a vida inteira
Por cima da cachoeira, o Gaiola vai subir
Vai ter barragem no Salto do Sobradinho
O povo vai se embora com medo de se afogar
O sertão vai virar mar
Dói no coração
O medo que algum dia
O mar também vire sertão
Remanso, Casanova, Sento Sé
Pilão Arcado, Sobradinho, adeus, adeus
Remanso, Casanova, Sento Sé
Sobradinho, adeus, adeus




Ficha Técnica

Título Original : Narradores de Javé
Gênero : Drama
Tempo de Duração : 100 minutos
Ano de Lançamento : 2003
Estúdio : Bananeira Filmes / Gullane Filmes / Laterit Productions
Distribuição : Riofilme
Direção : Eliane Caffé
Roteiro : Luiz Alberto de Abreu e Eliane Caffé
Produção : Vânia Catani
Música : DJ Dolores e Orquestra Santa Massa
Fotografia : Hugo Kovensky
Direção de Arte : Carla Caffé
Edição : Daniel Rezende

Elenco
Altair Lima - Galdério
Gero Camilo – Firmino
José Dumont – Antonio Biá
Luci Pereira – Deodora / Mariardina
Matheus Nachtergaele – Souza
Nelson Dantas – Vicentino
Nelson Xavier – Zaqueu
Orlando Vieira – Gêmeo
Roger Avanzi - Outro
Rui Resende – Vado


Sinopse

Narradores de Javé foi rodado em 2001, em Gameleira da Lapa, cidade do interior da Bahia. Traz a história de um povoado que vê ameaçada a própria existência. Isso ocorre quando se depara com o anúncio de que a cidade pode desaparecer sob as águas de uma enorme usina hidrelétrica. Em resposta à notícia devastadora, a comunidade adota uma ousada estratégia: decide preparar um documento contando todos os grandes acontecimentos heróicos de sua história, para que Javé possa escapar da destruição. Como a maioria dos moradores é analfabeta, a primeira tarefa é encontrar alguém que possa escrever as histórias e transformar o local em um patrimônio da humanidade.
Assim, Antonio Biá é escolhido para escrever as lendas sobre a origem de Javé; passa então a ir de casa em casa e ouvir as histórias das lendas guardadas nas cabeças dos moradores. O único problema é que cada morador conta uma história diferente, defendendo os interesses de seus antepassados.


Análise

Narradores de Javé mostra a importância dos sujeitos na História e as soluções e saídas para o sofrimento dos personagens do Vale do Javé, cidade fictícia, incrustada no sertão nordestino.
No filme vemos os aspectos da historiografia, conforme Jenkins “a maneira pela qual os historiadores o abordaram”, na história, tais como a história oral, a oficial, sua cientificidade, o limiar com a literatura, o vídeo e o próprio cinema.
Eliane Caffé conta a história de um povoado fictício (Javé), cujas terras serão inundadas por uma hidrelétrica. Para tentar salvar a cidade, os moradores resolvem escrever a história da cidade, para que assim seja considerada patrimônio histórico e preservado da inundação. Para esse feito é escolhido Antonio Biá, o único adulto alfabetizado de Javé, para escrever no papel e de “forma científica”, as memórias dos moradores.
Antonio Biá é letrado na arte de florear os fatos, que muitas vezes ficam escamoteados em sua narrativa. De certa forma Biá, neste momento, é um historiador, conforme o projeto de lei que tenta regulamentar a profissão de historiador apresentada pelo então deputado Ricardo Berzoini:
é o profissional responsável pela realização de análises, de pesquisas e de estudos relacionados à compreensão do processo histórico, bem como pelo ensino da História nos diversos níveis da educação, buscando reunir os relatos, selecionando e conectando de forma compreensível na história. (art. 2 do Projeto de Profissionalização do Historiador)
“Uma coisa é o fato acontecido, outra é o fato escrito”, fala Biá para o narrador (fonte) do primeiro causo acerca da fundação de Javé. Isso aponta a imparcialidade impossível à História e ao historiador.
A tarefa do historiador, e aqui do próprio Biá, é reunir uma história através de várias versões, muitas vezes incompatíveis entre si, fragmentadas na memória dos personagens, que em muitos casos, não distingui o real do imaginário.
É apresentada a divisa cantada, as fronteiras de Javé pronunciadas em canto pelos seus desbravadores e reproduzida pelos moradores que não dispõem de provas documentais da posse da terra; a memória e o culto dos vivos para com os mortos enterrados no cemitério de Javé.
Ao sair da cidade, após entregar um livro em branco aos moradores, sai de costa, olhando a cidade, prestes a ser destruída pelas águas da hidrelétrica. O pobre chão de Javé virará mar, e nesse mar de água afogará a memória, a cultura e os antepassados de um povo que não pode ser preservado por que não tem escrito, não tem registro, simplesmente não existe oficialmente.
Não podemos deixar de relatar que a história que Biá não escreveu esta sendo narrada por Zaqueu (Nelson Xavier), em uma conversa num bar a beira de um rio, onde passageiros esperam o transporte. Acontece que Zaqueu não estava presente quando tudo ocorreu, visto que foi para a cidade cuidar de outras coisas. Seu relato é fruto de uma série de outras versões, incluindo a dele próprio. Ele retorna ao povoado quando Biá já havia sumido e o procura com ajuda dos outros moradores. Uma vez encontrado é confrontado por não ter escrito, mas alega nada poder fazer, que as histórias são fantasiosas e não “casam” entre si. Ocorre aqui o Jenkins escreveu em A História Repensada:
a maior parte das informações sobre o passado nunca foi registrada, e a maior parte do que permaneceu é fugaz (...) nenhum relato consegue recuperar o passado tal qual ele era, porque o passado são acontecimentos, situações etc., e não um relado.

A salvação de Javé depende dos outros, dos outrem, contados pelos de hoje para um intermediário que passara a interpretar os acontecimentos passados e a leitura que desse passado fazemos. Para o historiador, Biá, o passado é condicionado por sua própria visão, floriadora e aumentativa, fazendo do relato sobre esse passado um artefato seu, que só recuperará fragmentos do passado, fazendo assim uma reconstituição desse passado que nunca estivessem constituídas de tal forma. Um dos motivos por que Biá não o faz.
Os vários discursos a acerca da grandiosa história do Vale do Javé nos remetem a Jenkins:
(...) a história é um discurso em constante transformação construído pelos historiadores e que da existência do passado não se deduz uma interpretação única: mude o olhar, desloque a perspectiva, e surgirão novas interpretações.

Os moradores de Javé buscam através dos relatos, discursos e interpretações a acerca do passado da cidade legitimar seu modo de vida atual para terem um modo de vida futura. O atual sofre a ameaça das águas. O futuro deverá ser constituído longe de onde vivem e cultivam a terra. Eles sentem necessidade, citando Jenkins, de enraizar o hoje e o amanhã no seu ontem. Preferem morar onde sempre moraram os seus e onde os seus então enterrados.


Bibliografia

JENKINS, Keith, A História Repensada. São Paulo Contexto, 2001.
http://www.cinemacafri.com/movie.jsp?movie=208, acessado em 01/06/2009.
Projeto de Profissionalização do Historiador. http://www.uepg.br/anpuh/forum/index.htm. Acessado em 01/06/2009.

Nenhum comentário: