30 de mai. de 2008

Quem sou eu???

"Suprimindo a vaidade, o que procuro na genealogia (...) são minha razões de ser animais, reflexas, instintivas, genéticas, inevitáveis. Gosto de saber, na minha hora de bom ou mau, na de digno ou indgno, nobre ou ignóbil, brava ou covarde, veraz ou mentiroso, audaz ou fugitivo, circunspecto ou leviano, puro ou imundo, arrogante ou humilde, saudável ou doente - quem sou eu. Quem é que está na minha mão, na minha cara, no meu coração, no meu gesto, na minha palavra; quem é que me envulta e grita estou aqui de novo, meu filho! meu neto! Você não me conheceu logo porque eu estive escondido cem, duzentos, trezentos anos. A vaca da epígrafe ... A vaca branca, negra, castanha, ou malhada que quando entra numa casa, nessa casa reaparecerá cem anos depois, ou mesmo duzentos, ou mesmo trezentos... Poeticamente, a genealogia é oportunidade de exploração no tempo. Nada de novo sobre a face do corpo. Nem dentro dele. Esse riso, esse jeitão, esse cacoete, esse timbre de voz, esse olhar, esse choro, essa asma, essa urticária, esse artritismo, esse estupor, essa uremia - são nossos e eternos, são deles e eternos. Vem de trás, passam logo para o futuro e vão marcando uma longa cadeia de misérias. São sempre iguais e emergem ao lado das balizas trágicas do nascimento, do casamento, do amor, do ódio, da renúncia, da velhice e da morte. Vão pontuando e contrapontuando um longo martírio... Meu, teu, seu nosso, vosso, deles, delas. Eu, tu ele, nós, vós, eles. Entre dois nadas, os pronomes dançasm. Ah! dançam em vão... Assim como é, racialmente, minha gente é o retrato da formação dos outros grupos familiares do país. Com todos os defeitos. Com todas as qualidades. Uns e outros, velhos, pois temos uma brasileirice de quinhentos anos, coeva do país, cada vez mais virulenta, pela sua passagem (...) numa série de homens e mulheres bons e maus, demônios ou quase santos, castos e lúbricos, austeros e cínicos, coração na mão ou cara estranha pela hipocrisia - família de várias cores, com altos e baixos, com todas a fortunas. Nela tem sertanista preador e índio preado, negreiro e quem sabe? negro também; conspiradores e delatores, oposicionistas cheiros de brio e situacinistas sem vergonha, heróis e desertores, assassinos e vítimas - tudo entranhado na história do Brasil - de saída, com o Descobridor, depois, com um donatário, com todos os bandeirantes, dezenas de mestres de campos, magotes de capitães-mores, dos inconfidentes, os povoadores de São Vicente, os descobridores do rio das Mortes, os vardores dos sertãos do Nordeste (...). Tem mais ainda. Tem constituintes, deputados, senadores, ministros, doutores, ccoronelões, letrados, analfabetos, (...) titulares de Pedro I e Pedro II, (...) Governador (...), Presidente (...), contraventor de jogo de bicho (...). Uma familia como as outras, só que antiga. Dentro dela eu posso dizer que não valho nada, mas dizê-lo com a vingadora compensação (...) quando se julgava e julgava seus contemporanêos. Pois é ... Eu sou um pobre homem (...)" Baú dos Ossos, por Pedro Nava, publicado em 1999, pela Atelie Editorial.

Nenhum comentário: